Em março de 2013 o Facebook anunciou o seu novo feed de notícias, mas nós, brasileiros, só começamos a experimentar a novidade em meados de março de 2014.
Na época do anúncio da mudança do feed, há mais de 1 ano, Jane Justice Leibrock, pesquisadora do Facebook responsável pelos estudos sobre experiência do usuário, explicou como isso foi feito no post User Experience Lab: How we designed a new News Feed using your feedback (publicado na seção notes da fan-page dos desenvolvedores da rede social – conhecida como Facebook Engineering Notes).
“O meu feed está desordenado/desorganizado”. Esse foi o tipo de feedback que a equipe responsável pelo projeto do novo feed de notícias do Facebook ouviu tantas vezes. Como uma interpretação óbvia a partir desse tipo de feedback, é possível assumir que as pessoas achavam que o projeto do feed anterior era muito poluído e gostariam que a interface fosse mais simples. Mas esse tipo de interpretação óbvia pode ser um dos motivos causadores de falhas em projetos de produtos. As 3 citações abaixo denotam esse problema.
O UX Designer e o usuário pensam de maneiras distintas. Por isso é tão difícil prever quais decisões de projeto terão efeito sobre o comportamento de uso. Nem sempre o que agrada o UX Designer é bom para o usuário real da interface (citação do livro “Improving your human-computer interface: a pratical technique”, de Andrew Monk, Peter Wright, Jeanne Haber e Lora Davenport, publicado em 1993).
UX Designers tendem a projetar para si mesmos, devido a sua visão particular. Isso resulta em problemas! Portanto, é importante envolver usuários no processo de projeto (citação do livro “Improving your human-computer interface: a pratical technique”, de Andrew Monk, Peter Wright, Jeanne Haber e Lora Davenport, publicado em 1993).
Para garantir a qualidade de uma interface, é preciso utilizar uma técnica de avaliação capaz de fornecer feedback dos usuários sobre como o projeto pode ser melhorado (citação do livro “Improving your human-computer interface: a pratical technique”, de Andrew Monk, Peter Wright, Jeanne Haber e Lora Davenport, publicado em 1993).
O objetivo da equipe responsável pelo projeto do novo feed de notícias do Facebook era criar algo grandioso e capaz de beneficiar as pessoas. Para evitar falhas nos projetos, que resultariam em algo que não fosse de encontro com as reais necessidades dos usuários da rede social, Jane Justice Leibrock foi chamada para descobrir os desejos declarados e não declarados das pessoas que estão nessa rede social.
A partir de técnicas de pesquisa da psicologia e antropologia, Jane Justice Leibrock utilizou as opiniões dos próprios usuários sobre o feed de notícias do Facebook.
A entrevista foi a técnica de pesquisa escolhida para descobrir o que significavam os termos “desordenado” ou “desorganizado” para os usuários. Foi solicitado para os participantes descreverem que tipo de ação eles fariam para ordenar/organizar seu feed de notícias.
As respostas mostraram que o problema não tinha muita relação com os aspectos visuais da interface. Algumas pessoas, por exemplo, disseram que ordenariam/organizariam a partir da remoção de alguns tipos de posts de fan-pages. Outras pessoas disseram que removeriam os posts sobre as atividades dos amigos, como as publicações de quem está ouvindo músicas ou jogando games. Muitas pessoas também disseram que gostariam de esconder as publicações sobre as curtidas e/ou comentários dos seus amigos em outros posts. A partir das entvistas, Jane Justice Leibrock chegou à conclusão de que a ação de ordenar/organizar estava associada aos posts que os usuários não queriam ver nos seus feeds de notícias.
A análise dos dados a partir de ferramentas de analytics mostrou que os posts em que as pessoas clicam, curtem e comentam são os mesmos que os participantes das entrevistas relataram que gostariam de filtrar ou excluir: publicações de fan-pages sobre músicas que estão sendo ouvidas, sobre games que estão sendo jogados ou sobre o que seus amigos estão curtindo e comentando. Portanto, as ferramentas de análise de métricas mostraram que os usuários do Facebook estavam claramente interessados nas mesmas histórias (posts) que as pessoas entrevistadas relatavam que não gostariam de ver no seu feed de notícias.
Então o desafio de projeto passou a ser “como mostrar esses posts separadamente no feed de notícias, de uma maneira que as pessoas queiram vê-los?”. A partir desse desafio, surgiu a ideia de oferecer múltiplos feeds, cada um com um foco particular em um assunto específico, tipo de conteúdo ou tipo de amigo. Essa abordagem parecia ser um bom começo, mas algumas questões cruciais permaneciam em aberto: quais feeds deveriam ser oferecidos e quais histórias deveriam ser colocadas neles? As respostas para essas perguntas exigiram uma nova rodada de pesquisa.
Como é muito difícil para as pessoas preverem o que elas mais gostam, Jane Justice Leibrock decidiu abrir mão de uma abordagem onde ela simplesmente perguntava para as pessoas qual feed ela gostaria de ver. Ao mesmo tempo, era necessário utilizar uma técnica em que as pessoas fossem capazes de mostrar (ao invés de falar) os feeds que elas consideram valiosos para elas.
Para alcançar esse objetivo, Jane Justice Leibrock aplicou uma técnica conhecida como card-sorting, utilizada para compreender como as pessoas relacionam mentalmente as diferentes categorias de uma mesma interface. Mas Jane Justice Leibrock adaptou o card-sorting para ser aplicado com um propósito diferente: fazer as pessoas aplicarem a engenharia reversa do feed de notícias, mostrando o que eles acham mais interessante (esse tipo de adaptação de uma determinada técnica de pesquisa é uma prática comum entre as equipes de projeto do Facebook).
Dessa forma, cada participante da pesquisa recebeu pedaços de posts recentes do seu feed, cada um impresso em diferentes folhas de papel. Foi solicitado que os participantes escolhessem os posts que consideravam mais interessantes e descartassem o resto. Em seguida, os participantes tiveram que categorizar as histórias (posts) consideradas como interessantes (previamente escolhidas), formando pilhas separadas em categorias e indicando o motivo deles gostarem de cada uma delas.
A análise das pilhas mostrou que muitas pessoas criaram categorias de histórias porque elas continham fotos. Além disso, a maioria dos participantes criou uma categoria de posts/histórias de pessoas que eles consideravam próximas. Algo que não era esperado pela equipe de projeto, foi o fato de muitas pessoas terem criado categorias de histórias que estavam relacionadas com os seus interesses – geralmente, essas eram as histórias de fan-pages ou de pessoas que os participantes estavam seguindo. Outra surpresa foi a criação de categorias para as histórias (posts) de amigos que não eram considerados tão próximos, mas que os participantes gostariam (e se sentiriam felizes) de acompanhar ocasionalmente.
As categorias resultantes da aplicação do card-sorting adaptado foram utilizadas diretamente nas decisões de projeto da equipe do Facebook, sobre quais feeds estariam disponíveis para as pessoas.
Os feeds chamados “Fotos” e “Amigos próximos”, por exemplo, eram ideias consideradas desde o início do projeto. A partir do card-sorting adaptado, essas ideias ganharam relevância e foram incluídas definitivamente no novo feed de notícias.
No entanto, a criação de um feed “Seguindo” foi abandonada, em função do desejo dos participantes por histórias (posts) relacionadas aos seus interesses.
O feed “Todos os amigos” também surgiu a partir dos resultados do card-sorting adaptado, em função do interesse dos participantes por serendipidade (descobertas ao acaso) a partir das histórias (posts) da sua lista completa de amigos.
Todo esse processo conduzido por Jane Justice Leibrock mostra a importância da realização de pesquisas com usuários, pois essa é uma abordagem de projeto que promove a descoberta de problemas até então desconhecidos.
Para nós, usuários do Facebook, nos resta utilizar o novo feed de notícias e descobrir se todo o trabalho de pesquisa realmente funciona na prática. E, como diversão extra, também vale tentar identificar quais as outras mudanças que já fora realizadas ao longo desse mais de 1 ano que o novo feed foi anunciado… Pois, como os próprios desenvolvedores descrevem a sua missão na empresa, testes e mudanças rápidas acontecem o tempo todo nessa rede social.
Our development cycle is extremely fast, and we’ve built tools to keep it that way. It’s common to write code and have it running on the live site a few days later. If you work for us, you will be able to make an immediate impact (frase retirada da missão dos desenvolvedores do Facebook).